Al Hussein Briefing especial para o DefesaNet
26 de Abril de 2021
Muhammad Hussein
Consultor de Negócios Internacionais e Analista de Defesa especializado no Oriente Médio e Norte da África
1. Negociações secretas entre Arábia Saudita e Irã – restabelecimento de relações
Embora negado pelos canais oficiais, é certo que houve, no começo desse mês de abril (dia 09ABR2021), reuniões secretas, em Bagdá, entre agentes governamentais de alta patente do Irã e Arábia Saudita, intermediadas pelos bons ofícios do Primeiro-Ministro Iraquiano Mustafa Al-Kadhimi.
As duas potências regionais entabularam princípios para uma reaproximação diplomática – os laços foram oficialmente cortados em janeiro de 2016, após ataques às instalações da Embaixada Saudita em Teerã, por manifestantes civis (algumas fontes diplomáticas têm como fato incontestável que o governo iraniano insuflou as hordas), motivados pela represália quanto à execução de um importante clérigo xiita pelo Reino do Golfo. A verdade é que as relações entre o País Persa e Riyadh sempre foram tensas e os canais políticos e diplomáticos sempre foram infrutíferos.
O Premiê Iraquiano Al-Kadhimi costurou as negociações entre o Príncipe Mohamed Bin Salman e os líderes Iranianos, como forma de tentar restaurar a própria estabilidade no Iraque, pois o país tem sido palco de diversas lutas entre grupos armados e milícias pró-Irã e agremiações rivais. As conversas tendem a contribuir para uma possível articulação política mais ampla com vistas à resolução no conflito do Iêmen e minorar os problemas de segurança da própria Arábia Saudita – a nação do golfo viu sua própria fragilidade após ataques por mísseis e drones em setembro de 2019, que degradou a produção de petróleo bruto no Reino em mais da metade da capacidade de operação. Os Houthis assumiram a autoria dos atentados, mas o Irã foi considerado culpado por Washington e Riyadh.
O movimento de reaproximação é visto também como uma forma da Arábia Saudita se antecipar ao intento do Governo Biden de retomar a participação estadunidense no JCPOA (Acordo Nuclear com Teerã, cuja saída norte-americana foi decidida no governo Trump) – os Sauditas preferem traçar novas estratégias no Oriente Médio que sejam mais maleáveis aos seus interesses, pois é notório que o novo governo dos EUA será mais hostil às aspirações regionais de Riyadh e, portanto, resta certeiro o movimento de MBS em criar novos aliados como forma de contenção à nova ordem do Dignitário Democrata.
Ponto de Observação: O Primeiro-Ministro do Iraque Al-Kadhimi visitou Riyadh em 31 de março último e, junto com a sua comitiva, também participaram vários comandantes militares e assessores de defesa iraquianos da SCMI – Iraqi State Company for Military Industries, para tratar de negociações com vistas ao estabelecimento de linhas de produção no Iraque para suprir a Indústria Militar Saudita.
2. O Programa Nuclear Saudita
O Senado dos EUA começou a discutir a elaboração de uma lei que possa conter o propósito saudita de desenvolver armas nucleares. O projeto, chamado de Saudi WMD Act, foi apresentado pelo Senador Democrata Ed Markey e visa dificultar diretamente o auxílio da China à Arábia Saudita nesse processo. Sabe-se que os chineses vêm auxiliando Riyadh no desenvolvimento de mísseis balísticos o que, na ótica de Washington, violaria os termos do Acordo MTCR de 1987 (Missile Technology Control Regime).
Essa legislação, uma vez aprovada, imporá aos Sauditas regras de transparência e compliance bastante rígidas nos processos de desenvolvimento de mísseis balísticos ou de um programa nuclear civil.
Além disso, cria um regime de sanções, com a respectiva terminação nas vendas de armas para a Arábia Saudita, caso o Reino não siga os protocolos da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
A China e a Arábia Saudita possuem um MOU para a cooperação no uso civil de energia nuclear – o mesmo tipo de entendimento existe com os Estados Unidos e até com a Argentina.
3. Notas sobre o Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act (CAATSA)
O CAATSA é um instrumento normativo (2017) que permite a imposição de sanções a países que se engajam em atividades que afetem a segurança doméstica ou dos interesses internacionais dos Estados Unidos, principalmente quanto à Rússia, Irã e Coreia do Norte.
A regra foi emendada no mesmo ano para a inclusão de punições e sanções aos agentes que promovem ou financiem o terrorismo internacional. De fato, o Secretário de Tesouro dos EUA recebeu uma delegação legislativa para impor, revisar, aumentar, restringir ou cancelar tais restrições econômicas contra estados estrangeiros, organizações internacionais, empresas e indivíduos que participem direta ou indiretamente de atividades consideradas terroristas ou que afetam a segurança nacional estadunidense. No que toca aos estados, as normas restritivas podem ser impostas em desfavor de todo um setor econômico, como no caso da Rússia (por causa do conflito com a Ucrânia) que foi restringida de receber investimentos externos e promover o comércio livre em todas as transações relacionadas com a Crimeia (banimento de investidores americanos ou de estrangeiros que usem instituições dos EUA nos negócios).
Nesse esteio, há várias sanções em vigor contra Cuba, Iraque, Irã, Líbia, Nicarágua, Somália, Sudão, Síria, Venezuela, Iêmen, entre outros países.
Ponto de Atenção: Vários juristas consideram a CAATSA uma violação ao direito internacional, pois cria normas punitivas extraterritoriais que mitigam ou bloqueiam, na totalidade, transações financeiras e comerciais legítimas envolvendo terceiros países. A União Europeia tem manifestado seu descontentamento com tal regra, tendo iniciado várias discussões sobre como oferecer contramedidas ou proteções às empresas europeias que promovam negócios legais com os países sancionados.
4. Egito compra soluções militares da Rússia em que pesem as ameaças de sanções por parte dos EUA
O Egito tem feito movimentos para incrementar sua força militar, buscando parceiros estratégicos além dos Estados Unidos. A prova inconteste foi o recebimento dos 5 Sukhoi Su-35 da Rússia em 25 de fevereiro último, mostrando os resultados do Acordo de Armas firmado entre o Cairo e Moscou.
O contrato, firmado em 18 de março de 2019, prevê que a Força Aérea egípcia comprará 24 Su-35, numa transação avaliada em US$ 2 bilhões. Vale ressair que o Governo do Presidente Abdel Al-Fattah Sissi tem feito, desde o início do seu governo, uma grande interlocução com o segmento militar russo, o que tem atraído várias ameaças dos EUA em rever o Programa de Assistência Militar para o Egito. A compra ocorreu após a aquisição de 24 Rafales da França em 2015.
O governo Trump fez várias advertências ao Ministro de Defesa Egípcio Mohamed Ahmed Zaki para rever as políticas de cooperação militar e de inteligência com a Rússia. Cairo se defende com base no fato de que os EUA iniciaram a querela quando se recusaram a vender o caça F-35 para o Egito. A verdade é que o Presidente Sissi tem adotado políticas para garantir a supremacia militar egípcia no mundo árabe e criar uma força de contenção contra ameaças regionais.
Ponto de interesse para o Brasil: O Egito é uma grande alternativa de destino para os produtos e soluções de defesa brasileiros no Norte da África. O país tem recursos financeiros e fomenta um programa agressivo de modernização de suas forças armadas – além das grandes oportunidades no segmento de infraestrutura, haja vista que o país está no processo de construção de sua nova capital.